1 Arquitectura Empresarial e Sistemas de Gestão da Qualidade Armando Vieira, Lúcia Costa, Pedro Amaro, Luís Amorim, Paulo Nunes, Margarida Pina, Luis Miguel, Carla Pereira e Pedro Sousa Abstract — Muito tem sido dito acerca da crescente necessidade das organizações serem flexíveis e dinâmicas. Para conseguir este dinamismo, as organizações têm que se estruturar internamente em torno de elementos flexíveis e dinâmicos e dotar-se de mecanismos que assegurem a coerência e o alinhamento entre os vários elementos, que a compõem, à medida que estes se vão modificando. Como exemplo de elementos constituintes das organizações, temos: a equipa da Qualidade e respectivos sistemas de gestão da Qualidade; os informáticos e respectivos sistemas e tecnologias de informação, a equipa de segurança e respectivos sistemas e políticas de segurança, a equipa de gestão de Colaboradores e respectivos sistemas de gestão das competências e do capital humano. Em muitas organizações constata-se que estes elementos têm dinâmicas, conceitos e ciclos de vida independentes, e que não existem mecanismos de assegurar uma evolução coerente e harmoniosa dos mesmos. Usando notações, conceitos e pressupostos diferentes, a coordenação e alinhamento entre os vários componentes implica normalmente esforços demasiado elevados para serem concretizados em tempo útil.Neste artigo apresentamos uma abordagem metodológica que unifica a visão, os conceitos e as práticas, usados em cada um dos elementos referidos, assegurando que as iniciativas de mudança, sendo desdobradas nestes elementos, constituem-se como processos multi-disciplinares com a dinâmica e flexibilidade requeridas para as Organizações. Index Terms — Alinhamento Organizacional, Arquitectura Empresarial, Melhoria Contínua, Qualidade —————————— ‹ —————————— 1 INTRODUÇÃO S ão várias as organizações com equipas a trabalhar sobre diferentes aspectos como por exemplo a Qualide, a Segurança, os Sistemas e Tecnologias de Informação, que se dedicam a este problema, em particular o Centro de Engenharia Organizacional do INESC. as competências e o Capital Humano, entre outras. 2 A ARQUITECTURA EMPRESARIAL Os diferentes objectivos de cada uma destas equipas requer visões específicas da Organização. Contudo, na vas- O conceito de AE é o conjunto de modelos e representações ta maioria dos casos, estas visões não são perspectivas de que a Organização precisa ter de si própria para poder uma mesma realidade (a Organização) mas traduzem, per planear as mudanças que pretende efectuar e prever o seu si, diferentes percepções da mesma Organização. Por impacto. [1, 13]. exemplo, os processos descritos no Sistema de Gestão da É geralmente aceite que a AE inclui as seguintes Qualidade divergem dos processos suportados pelos Sis- arquitecturas [10, 13]: temas de Informação, e divergem também dos processos • Arquitectura Organizacional1: onde se encontra a percepcionados pela Segurança. Divergem nos conceitos, definição da Organização, nomeadamente: a mis- nos pressupostos, nas notações e no entendimento da pró- são, a visão, os valores, a estratégia e os objectivos. pria Organização. • Arquitectura de Negócio: descrição dos processos O conceito de Arquitectura Empresarial (AE) é actual- da Organização, abrangendo os processos de ges- mente entendido como a base do conhecimento e represen- tão, de negócio, de suporte, de melhoria e os pro- tação da Organização sobre ela própria, permitindo o pla- cessos operacionais; neamento e a análise de impacto das iniciativas de mudan- • Arquitectura de Informação: descrição da informa- ça a que a Organização se propõe levar a cabo. Contudo, ção necessária à execução dos processos descritos esta noção de AE tem sido liderada pela comunidade das na Arquitectura de Negócio. Em muitos casos, TI, tendo por isso um propósito tecnológico muito acentua- constitui também um glossário de termos e concei- do. tos de negócio e da Organização. Neste artigo apresentamos a extensão do conceito de AE • Arquitectura Aplicacional: descrição das aplicações a outras áreas da Organização, e por consequência, a outras (sistemas de informação) adequados ao suporte de comunidades e propósitos. O trabalho aqui apresentado todos os processos e informação das arquitecturas resulta de anos de experiência de projectos de investigação, anteriores. de pesquisa e de confrontação de ideias com outros grupos • Arquitectura Tecnológica: descrição da tecnologia mais adequada à concretização de cada uma das ———————————————— • Armando Vieira is with Link Consulting, Tecnologias de Informação SA Av. Duque D’ Ávila, 23 1000-138 LISBOA Tel: +351 213100124 e-mail: 1 Alguns autores incluem a Arquitectura Organizacional na Arquitectura armando.vieira@link.pt de Negócio. 2 QUATIC’2004 PROCEEDINGS aplicações identificadas na Arquitectura aplicacio- 3 INSTRUMENTOS DE GESTÃO DA ARQUITECTURA nal. EMPRESARIAL Estas cinco arquitecturas permitem representar o enten- Como para qualquer entidade complexa, a consolidação do dimento mais aceite do conceito de AE [13, 8, 4, 11], permi- seu conhecimento e capacidade de antever o impacto da tindo também fundamentar o alinhamento entre os Siste- mudança, implica a sua representação. Se não conseguir- mas de Informação e o Negócio [5, 9]. mos representar um objecto complexo não o podemos con- Na comunidade de AE, diz-se que as arquitecturas hecer, nem prever o impacto de eventuais alterações. valem “20€ a tonelada”, porque é este o valor da tonelada Muitos modelos e frameworks têm sido propostos para a de papel para reciclar. Esta experiência traduz o facto de representação das diferentes dimensões da Arquitectura que, sendo as AE feitas normalmente por consultoras Empresarial [10, 12, 13, 3]. Algumas destas representam externas, a Organização não chega a adquirir o conheci- uma visão exclusiva da gestão, pecando por não integrar a mento expresso na AE, e muito menos chega a repercutir relação com a tecnologias e Sistemas de Informação. Talvez esse conhecimento na sua gestão da mudança. o mais versátil seja o proposto por John Zackman [13] na Conseguir que a Organização adquira o conhecimento qual se identificam vários níveis de percepção da Organiza- expresso na AE, significa que os seus Colaboradores parti- ção (estratégico, processos, aplicacional, tecnológico, e sub- cipam activamente na discussão, elaboração, validação, e contrato ) e as seis dimensões elementares do conhecimento melhoria da própria AE. Significa também que os conceitos, (o quê, como, onde, quem, quando e porquê). notações e instrumentos de trabalho sejam suficientemente O framework de Zachman (figura 2) é um referencial flexíveis para serem adaptados ao contexto de cada Organi- fundamental para “arrumar” de forma coerente o conheci- zação, e que não tenham como propósito único a produção mento da Organização sobre si própria, assumindo-se como de sistemas de informação. Na nossa opinião, o grande um “meta esquema” do repositório da AE. Este framework mérito de uma AE é suportar a unificação dos conceitos e não impõem nenhuma restrição relativamente aos modelos termos necessários à discussão e reflexão da Organização que devem ser usados nem à metodologia de preenchimen- entre os seus Colaboradores que, através desta participação, to e verificação do alinhamento entre a informação das são de facto Arquitectos da Organização. várias células do framework [5, 6]. O resto do artigo descreve, de forma muito sumária, a nossa contribuição na área das Arquitecturas Empresariais, a qual passa por: • Instrumentos de representação e manipulação adequados ao propósito da AE. • Arquitectura de Segurança, na qual se descreve as medidas de segurança e que devem ser aplicadas a cada artefacto da Organização, referidos nas Arquitecturas anteriores, como por exemplo: pro- cessos, informação, Colaboradores, aplicações, máquinas, redes, entre outros. • Melhoria Contínua, na qual se enquadram todas as iniciativas de mudança da Organização. • Qualidade, usando o framework aqui proposto, a Fig. 2. Framework de Zachman Organização fica implicitamente alinhada com os A abordagem que propomos abrange um conjunto de requisitos da norma NP ISO 9000:2001. modelos e representações que são configuradas em função das especificidades de cada Organização e utilizadas na A figura 1 ilustra o conceito que Arquitectura Empresa- execução nas diversas fases do processo construtivo. rial que propomos. Estas representações deverão ser geridas e suportadas por ferramentas eficazes (figura 3), usadas fundamental- mente pelos responsáveis da construção e manutenção dos modelos que representam a Organização, devendo estes ser comunicados e partilhados a todos os que deles necessitam. É exactamente neste contexto que a Intranet se assume como veículo de excelência para a sua disseminação na Organização, tal como a própria Extranet (figura 3), caso existam parceiros com os quais é necessário partilhar uma base comum de informação, processos e sistemas. Na AE, todos os artefactos produzidos, as suas relações, dependências e os diferentes níveis de detalhe devem ser geridos de forma coerente num único repositório (figura 3). Desta forma garante-se o controlo sobre as versões dos Fig. 1. Proposta de Arquitectura Empresarial AUTHOR ET AL.: TITLE 3 modelos, sobre as definições dos objectos e facilita-se o ção em segurança; cross-checking entre as diversas perspectivas de represen- 5. Realização periódica de auditorias e testes à segu- tação. rança; 6. Implementação de processos de resposta reflexa (segurança face ao desastre); 7. Validação do modelo de protecção e da sua implementação. Desta forma, não só se assegura que o objecto da segu- rança são os artefactos das restantes arquitecturas (a Orga- nização), como também se garante que o resultado é reper- cutido na mesmas arquitecturas (na Organização). Por exemplo, ao invés de produzir um documento que diz que é preciso fazer algo, defini-se um processo na Arquitectura Fig. 3. Exemplo da utilização de ferramentas de Processos (o quê, como, onde, quem, quando e porquê) para fazer esse algo. Neste sentido temos vindo a desenvolver uma plataforma A introdução das alterações propostas às Arquitecturas informacional composta por um conjunto de ferramentas, pró- na Organização é feita através de um processo de melhoria prias e de terceiros, que dão resposta às necessidades enumera- contínua, à semelhança de qualquer outra mudança na das e cujo produto final, visível pelos diferentes Colaboradores Organização. da Organização, resulta no designado “Portal da Qualidade”. Através deste Portal qualquer Colaborador pode, dependendo do seu perfil, visualizar toda a informação necessária para o 5 MELHORIA CONTÍNUA desenvolvimento das suas funções, competências e responsabi- A figura 4, representa a nossa abordagem para a melhoria lidades, nomeadamente: políticas, objectivos, ofertas, clientes, contínua, baseada na implementação de ciclos de melhoria, fornecedores, processos, actividades, tarefas, sistemas de infor- com o objectivo de obter quick-wins, mantendo-se a coe- mação e documentação de suporte. rência entre os resultados dos diversos ciclos. 4 ARQUITECTURA DE SEGURANÇA No sentido de atingir níveis de protecção desejados, a segu- rança dos sistemas de informação deve ser encarada de forma integrada e envolver todos os níveis da Organização, funcionando como um facilitador dos processos e uma forma de aumentar os níveis de confiança internos e exter- nos. A Arquitectura de Segurança é o resultado de uma acti- vidade contínua normalmente designada de Programa de Segurança, sob os artefactos da Organização representados no framework de Zackman, assegurando a coerência com as restantes arquitecturas. Tem como referencial a norma ISO/IEC 177992, que visa elevar a segurança da Organização para o nível requerido através da introdução de medidas que permitam reduzir a exposição a todos os riscos identificados e analisados, a realização da Arquitectura inclui actividades, dependendo Fig. 4. Ciclos de Melhoria Contínua do seu nível de maturidade, tais como: Os objectivos, passos e impacto de cada iniciativa são 1. Definição de políticas e normas de segurança; sempre desdobrados em cada uma das arquitecturas da AE. 2. Definição da arquitectura e dos processos de segu- Só assim se assegura numa definição clara dos objectivos, rança; do âmbito, dos resultados, dos recursos a envolver, não 3. Implementação dos processos de suporte à detec- esquecendo os processos, sistemas e eventuais tecnologias. ção, protecção, reacção e inspecção; Esta abordagem é usada nos diferentes âmbitos de inter- 4. Realização de acções de sensibilização e de forma- venção, sendo fundamental assegurar a coerência entre as diversas iteracções e a articulação com as iniciativas em 2 A norma ISO/IEC 17799 é um standard internacional , curso, próprias da dinâmica organizacional. que contém diversas orientações para a definição e manutenção de um determinado nível de segurança das 6 QUALIDADE organizações, dos seus colaboradores instalações e sis- temas de informação. Com os ciclos de melhoria propostos, garante-se em grande medida o cumprimento do modelo de Gestão da Qualida- 4 QUATIC’2004 PROCEEDINGS de, conforme descrito na figura 5. por Zachman é um elemento fundamental no suporte a diferentes notações e modelos e no assegurar a coerência entre estes. Temos consciência de que a AE que apresentamos é ainda um instrumento incompleto de desenvolvimento de organizações. Estamos a trabalhar e a investigar a inclusão dos modelos de gestão de competências e do capital humano na nossa percepção de AE. REFERÊNCIAS [1] Burke, Brian, “Let Enterprise Architecture or City Planning?”, http://www.eacommunity.com/articles/openarticle.asp?ID=186 4, Fig. 5. Modelo de um Sistema de Gestão da Qualidade baseado em [2] Chiavenato, Idalberto, “Comportamento Organizacional, a Dinâ- processos mica do Sucesso das Organizações”,THOMSON, 2004. [3] Herzum, Peter, “Let Business Vision Define Enterprise Architec- Os aspectos que não são respondidos directamente pela ture”, abordagem de melhoria contínua descrita, devem ser http://www.eacommunity.com/articles/openarticle.asp?ID=185 suportados na definição das Arquitecturas da AE, tendo 5, 2004 como referencial a norma NP EN ISO 9001:2000. [4] Kim, Y., Everest, G,C., “Building and IS architecture: collective Dentro desses aspectos destacam-se o Manual da Quali- wisdom from the field”, Information and Management 26,1-11, 1994. dade, as auditorias, os requisitos normativos para os quais [5] Pereira, Carla Marques and Sousa, Pedro, “Getting into the mis- deverão ser estabelecidos procedimentos documentados, os alignment between Business and Information Systems”, The 10th conceitos protagonizados pela norma e os mecanismos que European Conference on Information Technology Evaluation, Madrid, permitem evidenciar as práticas desenvolvidas pela Orga- Spain, 2003. (Conference proceedings) nização. [6] Pereira, Carla Marques and Sousa, Pedro, “A Method to Define Note-se que, sendo estes aspectos da norma repercutidos an Enterprise Architecture using the Zachman Framework”, The nas Arquitecturas da AE, os sistemas e tecnologias que 19th ACM Symposium on Applied Computing, Nicosia, Cyprus, 14- melhor suportam os processos e actividades da Organiza- 17 March, 2004. (Conference proceedings) ção são também os que melhor suportam a Qualidade na [7] Perks, col and Beveridge, Tony, “Guide to Enterprise IT Architec- Organização. ture”, Springer Professional Computing, 2003. [8] Poel, Paul A.M.M. van de, (Philips International B.V. Eindhoven), 7 CONCLUSÕES Waes, Ria M.C. van (Vrije Universiteit Amsterdam, faculteit Economie en Econometrie, Afdeling InformatieSystemen), from: In- A AE é o conjunto de instrumentos e representações que formation System Concepts: An In-depth Analysis, Falkenberg, E.D., permite às Organizações tomarem conhecimento do que Lindgreen, P. (Editors), Elsevier Science Publishers B.V. (North- são e do que não são. Esta percepção da AE implica que Holland), Copyright IFIP, 1989. os seus instrumentos e objectivos ultrapassam em muito [9] Sousa, Pedro and Pereira, Carla Marques, “Business and Informa- a comunidade das tecnologias da informação dentro das tion Systems Architectures Alignment using the Zachman Organizações. Framework”, The 2003 Enterprise Architecture Forum, Scottsdale, A inclusão dos aspectos de segurança, de melhoria Arizona, USA, 2003. (Conference proceedings) [10] Spewak, Steven H. and Hill, Steven C., Enterprise Architecture contínua e da Qualidade alarga o domínio de utilização Planning: Developing a Blueprint for Data, Applications and Technol- da AE, bem como os requisitos dos seus instrumentos e ogy, Wiley-QED Publication, 1992 ferramentas. A AE deixa de ser um instrumento para o [11] Stegwee, R. A., Designing Architectures for Emerging Information desenvolvimento exclusivo de Sistemas de Informação, e Technologies: A multiple methodology approach, E. J. Ebels, Idea passa a ser um instrumento ao serviço do desenvolvi- Group Publishing, 1994. mento das Organizações. [12] Vasconcelos, A., A. Caetano, J. Neves, P. Sinogas, R. Mendes, and Talvez o principal desafio de uma AE seja fazer-se en- J. Tribolet, “A Framework for Modeling Strategy, Business Proc- esses and Information Systems”, 5th International Enterprise Dis- tender por todos os Colaboradores da Organização, em tributed Object Computing Conference EDOC, Seattle, USA, 2001. particular pelos que têm potencial para contribuir para a (Conference proceedings) sua melhoria. Este aspecto tem sido sistematicamente [13] Zachman, John, “A Framework for Information Systems Architec- descurado nos projectos de AE, pois estes têm tido como ture”, IBM Systems Journal, 26, 454-470, 1987 objectivo a descrição em papel de uma Organização per- feita, que acaba na maioria dos casos em “papel para reciclar”. O uso de um framework genérico como o proposto