Contribuições do Ensino Superior à Distância na Qualidade de Vida de Egressos de Licenciatura em Matemática pela Universidade Federal do Ceará Meline Mesquista de Carvalho1, José Gerardo Vasconcelos1, Edgar Marçal2 1 Faculdade de Educação – Universidade Federal do Ceará (UFC) CEP 60020-110 – Fortaleza – CE – Brasil 2 Instituto Universidade Virtual – Universidade Federal do Ceará (UFC) CEP 60.440-554 – Fortaleza – CE – Brasil meline@virtual.ufc.br, gerardo.vasconcelos@bol.com.br, edgar@virtual.ufc.br Abstract. One of the premises of distance education (DE) is that the student plays a central role and is primarily responsible for his / her learning. The DE student is asked to have, among other qualities, autonomy and ability to use computer resources. On the one hand, students are charged about commitments and execution of activities on time. On the other hand, they are not presented with studies and information that encourage them to persevere in their studies despite the difficulties. In this sense, this article presents the results of a study that had as objective to analyze the impacts on the quality of life of UAB graduates in the State of Ceará, based on the analysis of reports of graduates in Mathematics of the municipality of Maranguape. Resumo. Uma das premissas da Educação a Distância (EaD) é que o aluno tem papel central e é o principal responsável por sua aprendizagem. Pede-se ao estudante de EaD que tenha, entre outras qualidades, autonomia e capacidade para usar recursos de informática. Por um lado, os alunos são cobrados com relação a compromissos e execução de atividades nos prazos. Por outro, não são lhes apresentados estudos e informações que lhes estimulem a perseverar nos estudos apesar das dificuldades. Nesse sentido, esse artigo apresenta os resultados de um estudo que teve como objetivo analisar os impactos na qualidade de vida de egressos da UAB no Estado do Ceará, a partir da análise de relatos de licenciados em Matemática do município de Maranguape. 1. Introdução A Educação a Distância (EaD) se realiza independentemente de distâncias e tem como diferencial da educação presencial o fato de que através dela o discente é o sujeito construtor de seu próprio conhecimento [Xavier, Xavier e Marinho 2017]. Ao longo dos anos no Brasil, a EaD tem se consolidado como uma modalidade de ensino com potencial para propiciar a efetivação do direito fundamental à educação superior em locais distantes dos centros urbanos, por exemplo, em regiões marcadas pela pobreza e pela carência de recursos e de ensino superior presencial. 404 Santana (2016) afirma que a EaD pode auxiliar a diminuir os efeitos de tal exclusão no que tange a questão educacional e, acredita que a criação da Universidade Aberta do Brasil (UAB) trouxe outras perspectivas para ampliação dos processos inclusivos no que concerne à educação superior. O Sistema UAB (SisUAB) é um programa articulado entre o governo federal e os entes federativos que apoiam as Instituições de Ensino Superior (IES) públicas a oferecerem cursos de nível superior e de pós-graduação por meio do uso da modalidade Educação a Distância. Além de propiciar a graduação de mais profissionais em nível superior nos mais longínquos cantos do país, a Universidade Aberta do Brasil forma professores licenciados e pedagogos para o ensino fundamental e médio, auxiliando a melhorar os índices educacionais do Brasil. A partir dos resultados observados em sua pesquisa, [Gurgel 2016] afirma que a UAB é o programa governamental mais democrático e eficaz de formação e aperfeiçoamento docente, sobretudo em regiões do interior do Nordeste brasileiro, onde há um déficit educacional e uma dívida social para com a educação do povo. Apesar disso, a maioria dos estudos nacionais existentes sobre EaD não adentram a fundo na realidade psicossocial e na trajetória de vida dos principais atores nesse processo: os alunos. Em geral, a maioria dos artigos abordam questões em larga escala e genéricas, com foco quantitativo, como estudos sobre evasão e gestão escolar [Marçal e Arco-Verde, 2014; Fonseca 2015; Maciel e Sousa, 2016]. Ademais, por um lado, os alunos são cobrados com relação a execução de atividades nos prazos, além de ter de contornar as distrações digitais em todos os momentos [Furtado e Marçal, 2016]. Por outro, poucas são as pesquisas que descrevem experiências que eles possam se espelhar e que lhes estimulem a perseverar nos estudos. Nesse sentido, esse artigo apresenta os resultados de um estudo que teve como objetivo analisar os impactos na qualidade de vida de egressos da UAB no Estado do Ceará, a partir da análise de relatos de licenciados em Matemática do município de Maranguape. Buscou-se investigar a transformação social proporcionada pela conclusão do curso de Licenciatura em Matemática na vida dessas pessoas e como isso se reverteu para as suas comunidades e seus familiares. 2. O Ensino Superior à Distância no Estado do Ceará Para se obter um histórico e o cenário atual do ensino superior a distância no Ceará, os autores desse trabalho fizeram uma entrevista com um dos fundadores da UAB no estado, atual Coordenador da UAB na Universidade Federal do Ceará (UFC) e Diretor do Instituto UFC Virtual: o professor Mauro Cavalcante Pequeno. Segundo Mauro, a história da educação superior à distância no Ceará iniciou em 2001, quando um grupo de professores da UFC pesquisadores em EaD ingressou na Universidade Virtual Pública do Brasil (UNIREDE). Composta por mais de 61 instituições públicas, a UNIREDE envolvia cursos de graduação, pós-graduação, extensão e educação continuada, exclusivamente para professores das escolas públicas. Ele também destacou o papel do Banco do Brasil no início da EaD no Ceará e no Brasil como importante parceiro patrocinador da ideia. Conforme cita Pequeno, em 2003, na gestão do Reitor Roberto Cláudio Bezerra, foi criado o Instituto UFC Virtual, tendo como corpo diretor o Prof. Dr. Miguel Araújo (Diretor Geral) e o Prof. Dr. Mauro Pequeno (Diretor Técnico). A UFC Virtual surgia 405 para ser o setor da Universidade responsável pela EAD e pelo uso das tecnologias na educação. Em 2005, o Prof. Mauro Pequeno assumiu a direção geral o Instituto. Após o decreto de criação da UAB em 2006, houve um crescimento no incentivo por parte do governo federal. O Ministro da Educação, Fernando Haddad, ampliou consideravelmente a quantidade de recursos financeiros para a implantação de cursos superiores à distância em todo o país. Ao longo dos anos, o Instituto UFC Virtual tem colaborado com ações desenvolvidas por outras unidades acadêmicas para o fortalecimento da EAD na Universidade Federal do Ceará e no Estado como um todo. A UFC participou da criação da Universidade Aberta do SUS no Estado e na implantação da lei dos 20% na graduação presencial. O professor Mauro ressalta que desde 2010 houve um processo de igualdade acadêmica, ou seja, não existiria diferença na expedição do diploma em EaD em relação ao diploma da modalidade presencial, como também em relação às disciplinas ofertadas. Ele também destaca que um dos diferenciais da EaD na UFC é o fato dela possuir um Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA) próprio: o Solar. Mauro explica que, atualmente, a forma de ingresso na UAB/UFC se dá através do ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio), porém não pelo SISU, pois não existe como ofertar uma estrutura suficiente para pessoas que não residem no Ceará. Assim, foi elaborado um sistema pela própria UFC, no qual é avaliada a nota das últimas três notas do ENEM, atentando para a nota de corte necessária para o ingresso nos cursos. O Professor Mauro também colocou que a resistência inicial no que diz respeito à modalidade EaD já foi superada em vários cursos na Universidade. Ele foi categórico ao dizer que já existe até uma parceria entre os demais cursos que oferecem cursos na referida modalidade. O professor ainda avalia que desta forma a universidade vem se modernizando com a tecnologia oferecida. O professor encerra sua entrevista com uma reflexão acerca da motivação dos alunos e da importância da proposta da UAB, que tem como foco a transformação social do cidadão. 3. Metodologia O estudo apresentado nesse artigo apresenta gênero misto: teórico e empírico, possuindo um caráter descritivo-exploratório quanto ao objetivo. No tocante à abordagem e ao procedimento técnico adotado, este se deu pelo estudo de cada participante. Com relação às técnicas para coleta de dados, empregamos a observação direta e as narrativas semiestruturadas, empregando como técnica de investigação a análise do discurso. Nesse âmbito, reprisamos que a metodologia da pesquisa é o caminho do pensamento a ser seguido [Chizzotti 2011; Chemin, 2015]. A presente investigação envolveu três egressos do Curso de Licenciatura em Matemática, com o propósito de compreender os efeitos que o ensino superior à distância produziu em suas vidas. Os relatos dos três egressos aconteceram mediante um encontro presencial no polo de apoio no município de Maranguape. Para isso, realizaram-se entrevistas narrativas, sendo explicado para os entrevistados o tema principal da pesquisa e o objetivo da mesma. Logo em seguida, foi solicitado que os entrevistados fizessem um breve relato de suas trajetórias de vida, fazendo uma retrospectiva de suas vidas, enquanto estudantes, desde a infância, trazendo seus contextos familiares. Além disso, tendo como finalidade compreender a história de vida desses professores e analisar o impacto que este curso teve em suas vidas, foi pedido para que eles descrevessem suas trajetórias 406 até o ingresso no curso de Licenciatura em Matemática. Também foi solicitado que ponderassem sobre o término da graduação, relatando o que mudou em suas vidas após este período. 4. Entrevistas com os Egressos As entrevistas, em forma de narrativas, ocorreram conforme o planejado. O desejo espontâneo dos egressos de contribuir para a pesquisa superou qualquer obstáculo que pudesse surgir. Ademais, eles sentiram-se valorizados e honrados ao serem convidados para participar da investigação, considerando-a como um momento importante em suas trajetórias profissionais. A seleção dos participantes foi realizada pela coordenadora do polo da UAB que fez o convite aos egressos do curso, que aceitaram integrar o estudo de forma voluntária. Nenhum deles tinha qualquer relação com a pesquisadora ou outro autor desse artigo. Todos os participantes do estudo assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), para permitir que eles pudessem se manifestar, de forma autônoma, consciente, livre e esclarecida. O uso da imagem no artigo científico também foi autorizado. A Figura 1 mostra a pesquisadora/avaliadora realizando a primeira entrevista. Para garantir o anonimato dos entrevistados, seus nomes serão substituídos por: Egresso 1 (E1), Egresso 2 (E2) e Egresso 3 (E3). Egresso 1 E1, 25 anos, segundo filho de uma família simples de comerciantes, do município da Serra do Lagê, iniciou sua fala fazendo uma retrospectiva breve de sua vida estudantil. Destacou que sempre estudou em escola pública. Após a escola, ajudava o pai no comércio e estudava nas horas restantes. Segundo o egresso, o pai sempre o incentivou para os estudos, porém o mesmo não tinha muita perspectiva de mudança de vida, devido ao seu contexto familiar, no qual poucas ofertas de educação foram dadas. Figura 1. Pesquisadora entrevistando o Egresso 1. E1 prestou o ENEM no ano de 2011. Conseguiu ingressar no curso de Licenciatura em Matemática pela UAB na UFC com outros 60 alunos. Ele ressaltou que, logo no início do curso, se deparou com o formato diferenciado da Educação a Distância. Sentiu bastante dificuldade em cumprir os prazos de entrega das atividades e 407 em participar de forma frequente no Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA). Isso exigiu dele autodisciplina em relação à sua rotina de trabalho e de estudos. Com o tempo, percebeu a grande oportunidade de ingresso em uma universidade pública de qualidade, como também o reconhecimento social e oportunidades de trabalho que poderiam surgir com aquela formação. Durante o curso, foram surgindo tais oportunidades, devido à grande demanda por professores de Matemática qualificados e de poucas pessoas capacitadas para a função de lecionar tal disciplina. Nesse âmbito, E1 relatou que começou lecionando em uma pequena escola de reforço de seu município e, sempre que solicitado, trabalhava como professor substituto em algumas escolas particulares da região. Dessa forma, foi adquirindo experiência em docência, bem como colocando em prática todo o conhecimento aprendido em sua graduação. No terceiro ano de curso, surgiu uma outra oportunidade de trabalhar de forma temporária em uma escola do município e em outra escola do estado. Atualmente, E1 trabalha também como tutor voluntário do polo de Maranguape. Exerce essa função desde seu último ano de graduação, quando foi selecionado em um edital, com o objetivo de complementar as horas do curso. Mesmo após ter concluído sua graduação, o egresso estabeleceu um bom vínculo com a comunidade acadêmica e continua prestando suporte aos alunos da graduação em Matemática, tirando dúvidas dos mesmos, auxiliando em atividades das disciplinas, como também orientando em relação ao manuseio do AVA. O ex-aluno reforça a importância do trabalho voluntário, que lhe proporcionou experiência importante para o seu currículo. E1 ingressou no mestrado acadêmico em Engenharia de Teleinformática da Universidade Federal do Ceará, conceito 7, a avaliação mais alta da CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior). Ele fez uma breve constatação sobre a importância da UAB para ele: após a entrada no curso de Licenciatura em Matemática pela UAB/UFC, sua trajetória profissional sempre foi impulsionada positivamente para frente no mercado. Também colocou que se sentiu motivado pela área da pesquisa, através de suas vivências adquiridas ao longo da graduação. E1 conclui sua narrativa com os seguintes destaques: sente-se inserido de forma plena na sociedade; sente orgulho por sua profissão; julga que tem papel relevante na vida das pessoas próximas a ele; considera-se satisfeito pessoalmente após sua história de superação; e, ressalta que dos 60 colegas que entraram com ele, apenas 04 se formaram no mesmo ano. Egresso 2 O Egresso 2, 32 anos, iniciou sua narração colocando que sua origem é de uma família muito pobre, de mãe costureira e avós agricultores analfabetos. Tinha o incentivo do avô para estudar. Morava em casa de pau a pique, com os avós, pois sua mãe não tinha condições financeiras para sustentar todos os filhos no mesmo teto. Estudava em escola pública e trabalhava nas horas vagas na roça para ajudar o avô. Seu ensino fundamental foi através do tele ensino (com o recurso da televisão). Ia para a escola com o interesse maior em assistir televisão, pois em sua casa não tinha TV. Achava o máximo esse recurso e adorava assistir às aulas. O professor 408 atuava somente como orientador das atividades propostas. Ele revela que percebia que o material utilizado era de baixa qualidade, como também notava o despreparo deste professor no momento da explicação de algum conteúdo ou durante o esclarecimento de alguma dúvida. Ressaltou que teve bons professores no ensino médio, que despertaram sua vontade para estudar matemática. E2 citou o exemplo de um professor que, apesar de suas dificuldades, sempre acreditou em seu potencial como estudante, colocando-o como monitor de sala e pedindo para ele resolver exercícios de matemática. Essa facilidade com os números sempre foi uma constante para ele. Dessa forma, se sentiu capaz e cada vez mais incentivado a estudar a matemática. Colocou também que sentia muita dificuldade em utilizar o computador, pois veio de uma família de poucos recursos e nunca teve acesso fácil à informática. O mesmo lembrou que no horário destas aulas na escola, ia para a biblioteca, com vergonha dos colegas, pois não dominava as tarefas mais simples. Um professor percebeu sua ausência e entendeu sua dificuldade. A partir daí se propôs a ajudá-lo com o manuseio do computador. No período de realização de seu vestibular, era muito desacreditado pelos colegas e pela sociedade de uma forma geral, por ser de família humilde. Chegava a ouvir comentários maldosos de pessoas próximas de sua família e colegas de trabalho que riam de seu sonho e vontade de ser aluno da UFC. Contudo, E2 não se desmotivou e seguiu com seu propósito. Ele contou que conseguiu a isenção das suas duas inscrições para o vestibular, porém não conseguiu fazer a prova da Universidade Estadual do Ceará por não ter recursos financeiros para custear sua ida à Fortaleza para a realização do vestibular. Após este episódio, foi chamado para o exército e passou um ano como militar. Contudo, ele ressaltou que nunca esqueceu seu sonho de querer ser universitário. Após seu tempo de serviço no exército, ficou desempregado, mas depois conseguiu um trabalho em uma indústria. Apesar de outras ocupações, a ideia de estudar sempre esteve em sua mente, porém as pessoas continuavam julgando-o e desencorajando-o sempre que ele mencionava a sua vontade de ingressar na UFC. E2 trabalhou por um período como trocador de ônibus, devido à sua grande dificuldade financeira e à necessidade de ser inserido no mercado de trabalho. Em um determinado momento, ele levou uma queda de sua moto e ficou afastado do trabalho por três meses através do INSS. Foi então que surgiu a oportunidade de voltar a estudar, já que ficaria em casa para sua recuperação. Ele pensou, em alguns momentos em desistir de vez do seu grande sonho. Certa vez, furtaram seu único bem material, que era sua moto. Por conta disso, durante alguns meses, ele chegou a dormir na garagem da empresa de ônibus em que trabalhava, por não ter condições financeiras de ir e vir todos os dias de Maranguape, onde residia, para Fortaleza, onde trabalhava. Em 2012, E2 prestou o ENEM para o curso de Licenciatura em Matemática pela UAB/UFC. Ele foi aprovado ingressou na Universidade Federal com outros 49 alunos. O egresso relatou que a dificuldade em informática novamente foi uma grande barreira, pois tinha pouco conhecimento para conseguir utilizar adequadamente o Ambiente Virtual de Aprendizagem, que era o SOLAR, como também não tinha acesso ao computador e à internet onde morava. E2 comprou um notebook com toda a dificuldade e, aos poucos, foi superando tal problema com a ajuda de colegas de curso. 409 Após sofrer uma série de assaltos como trocador de ônibus, ele decidiu de vez sair desta profissão e se submeteu a um concurso público para professor temporário de Maranguape. Foi aprovado e, após sua formatura, realizou outro concurso para ser professor de uma escola do estado, sendo aprovado novamente. Atualmente, E2 trabalha como professor dessas duas escolas e atua como tutor a distância do curso de Licenciatura em Matemática no polo onde foi estudante (Maranguape). E2 também concluiu a especialização em Metodologia do ensino da Matemática e da Física. O egresso finaliza sua fala com uma avaliação emocionada, destacando o orgulho de sua trajetória e reforçando a fé no poder da transformação através da educação. Ele fala com orgulho do conforto que hoje pode proporcionar à sua família, da estrutura da sua casa atual e de sua estabilidade financeira atualmente. Egresso 3 E3, 35 anos, nasceu em Choró- Ce, porém foi para Fortaleza ainda criança. Veio de uma família muito humilde, composta de oito irmãos, com condições bastante precárias. E3 coloca que sempre teve o incentivo do pai, pedreiro, para os estudos. Sua mãe era dona de casa e, quando ele tinha 14 anos, ela faleceu vítima de uma pneumonia. A partir de então, seus irmãos começaram a ajudar em casa e a trabalhar fora. Ele lembrou que, por alguns anos, sua família morou em uma favela de Fortaleza. Nesse período, ele via seus colegas indo pelos caminhos mais fáceis, através do envolvimento com drogas e com a criminalidade. Contudo, seu pai, de forma mais autoritária, conseguiu desviar ele e os irmãos desta realidade. Certo dia, um vizinho falou sobre o vestibular para os cursos da UAB/UFC. E3 nem conhecia esta sistemática de ensino, mas tentou a prova a fim de uma melhoria em sua qualidade de vida. Ele passou no exame do vestibular e desde seu ingresso no curso se deparou com as dificuldades para utilizar o Ambiente Virtual de Aprendizagem SOLAR. Aos poucos foi se adaptando à sistemática de ensino semipresencial, buscando apoio nos colegas e com os tutores presenciais no polo. Conciliava seu trabalho em uma funerária durante o dia com os estudos da graduação à noite. Ao mesmo tempo, começou a prestar concursos em alguns municípios para lecionar nas escolas básicas. Em 2015 fez concurso para professor em Maracanaú, sendo aprovado e chamado para assumir turmas no ensino médio logo após sua formatura. E3 avaliou de maneira positiva sua mudança de vida. Através do curso da UAB, ele conseguiu ingressar no magistério, sua paixão maior. Destaca que se não fosse a Universa Aberta do Brasil não teria condições de ingressar em uma instituição de ensino superior pública e de qualidade, tendo vindo de uma família tão carente. E3 afirma que hoje consegue contemplar suas conquistas: exerce a função de professor concursado do município de Maracanaú; e, supre de maneira satisfatória às necessidades de sua família (casado e com duas filhas). Atualmente, ele é aluno da especialização oferecida pela UECE/UAB pelo polo de Maranguape, Curso de Tecnologias Digitais na educação básica. Também passou na última seleção para tutores a distância no polo de Maranguape. Já está sonhando com um curso de mestrado no futuro. 410 4. Discussão Por um lado, em todos os relatos, os egressos evidenciaram os obstáculos que enfrentaram antes do ingresso e durante o curso, como a dificuldade em informática, que se trata de um problema persistente em cursos a distância [Campos, Marques e Barros Filho 2012]. Por outro lado, todos eles foram unânimes em relatar que a formatura foi sem dúvidas a realização de um sonho distante, um grande divisor de águas em suas vidas. Os egressos relataram as aspirações e as realizações proporcionadas pelo ensino superior, concretizadas na prática. Eles consideraram uma grande transformação social, preconizando a importância dessa formação para suas vidas. Além da mudança e a parte das experiências particulares deles, dois dos três egressos destacaram a importância do polo UAB para Maranguape. Isso movimentou economicamente o município e transformou o processo educacional da cidade, fazendo com que a população valorizasse tais conhecimentos e percebesse que o ingresso ao ensino superior é algo possível para eles. Os egressos destacaram com orgulho e entusiasmo a formação em nível superior: “minha formação no ensino superior foi algo que me fez ser visto diferente por mim e pelas pessoas”; “Realizar este sonho, mudou a minha vida. Sempre tive esse sonho de ser professor”. Para Castanho e Freitas (2006), a função social da universidade é produzir conhecimento, desenvolver a cultura, o saber tecnológico e o papel do homem na sociedade, promovendo, dessa forma, a cidadania. De fato, o conhecimento adquirido no ensino superior transformou a maneira de pensar e de ver o mundo dos egressos investigados. Estes enfatizaram a reflexão, a consciência de mundo, a análise crítica e os constantes questionamentos surgidos com o ingresso na universidade, uma vez que saíram de uma posição de conforto para a percepção e discussão dos problemas, do trabalho na educação e da construção do ensino e da aprendizagem. A construção da concepção de educação, que hoje os egressos conseguem perceber em suas vidas, só foi amadurecendo no decorrer do tempo e com as experiências vivenciadas na prática em suas realidades concretas. Esse conhecimento foi modificando, melhorando, aprimorando-se e se tornando sólido na visão de amadurecimento e de ascensão profissional obtida por eles. Um dos egressos, por sua vez, aponta a relevância do curso para a sociedade e a sua vontade de modificar as atuais metodologias, que para ele estão defasadas. Além disso, ele pontuou que, na relação entre professor e aluno, se pode conseguir muito mais progressos e identificação no conteúdo proposto, se o aluno for cativado em sala de aula. Os egressos se sentiram orgulhosos ao fazerem uma retrospectiva de suas vidas, marcadas pelo sacrifício, pelas dificuldades financeiras, como também pelo sentimento de pertencimento e de utilidade à sociedade, de maneira que agora têm um maior reconhecimento de sua profissão. Eles se sentem felizes em avaliar o que conseguem proporcionar para suas famílias, em termos de estrutura e qualidade de vida. Além disso, com a formação superior, os egressos sentiram a necessidade de constante profissionalização e de outros níveis de ensino. Isso possibilita ainda um maior crescimento profissional e salarial. Contudo, além da constatação de que a UAB teve papel decisivo e transformador na vida dos entrevistados, observou-se que isso só foi possível através de 411 muito esforço pessoal deles. Da mesma forma que eles entraram nos cursos de nível superior a distância, outros também entraram, mas não obtiveram sucesso como eles. Além disso, como os próprios entrevistados afirmaram, muito estudo foi necessário para alcançar os resultados que eles conseguiram, mas é importante continuar estudando para manter e até ampliar as conquistas. 5. Conclusão O presente estudo objetivou investigar os efeitos do ensino superior na vida profissional de três egressos do curso de Licenciatura em Matemática, cuja inserção no referido curso ocorreu mediante a implantação da Universidade Aberta do Brasil em vários municípios do país. Para contextualizar o trabalho, foi feito um breve histórico acerca do ensino superior a distância e da UAB no estado do Ceará. O estudo mostrou que foi unânime a transformação para melhor na qualidade de vida dos entrevistados, desde o momento que iniciaram o curso, durante e após a graduação, a despeito de todas as dificuldades enfrentadas. Eles narraram suas vidas com enfática alegria e orgulho de suas conquistas, que beneficiaram não apenas a eles como deram conforto às suas famílias. Todos os entrevistados passaram em concursos públicos e ingressaram em cursos de pós-graduação (especialização e mestrado) em universidades públicas e de qualidade. Como trabalho futuro, pretende-se realizar esse estudo com egressos de outros cursos, de outros municípios e de outros estados para verificar se os resultados são similares e publicar experiências parecidas. Acredita-se que o levantamento e a divulgação de pesquisas que mostrem com detalhes como a EaD transforma a vida das pessoas possa estimular outros, em situações semelhantes, a se identificarem e iniciarem um processo de mudança de vida. Referências Araújo, B. (2007). “Educação a distância no contexto brasileiro: experiências em formação inicial e formação continuada”. UFBA, ISP, PROGED. Campos, L. C., Marques, E. V., & de Barros Filho, E. M. 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