=Paper= {{Paper |id=None |storemode=property |title=Ontologia dos Eventos Jurídicos: Contribuições da Semântica Verbal |pdfUrl=https://ceur-ws.org/Vol-938/ontobras-most2012_paper27.pdf |volume=Vol-938 |dblpUrl=https://dblp.org/rec/conf/ontobras/MullerC12 }} ==Ontologia dos Eventos Jurídicos: Contribuições da Semântica Verbal== https://ceur-ws.org/Vol-938/ontobras-most2012_paper27.pdf
               Ontologia dos Eventos Jurídicos: contribuições da
                             semântica verbal
                                Carolina Müller1, Rove Chishman2
     1
         Doutoranda no Programa de Pós-graduação em Linguística Aplicada - UNISINOS
      2
          Professora do Programa de Pós-graduação em Linguística Aplicada - UNISINOS
                       muller.carolina@ymail.com, rove@unisinos.br

          Abstract. This paper presents a preliminary study on the semantic description
          of the verbs of the Brazilian legal field. This is a study of the verbal semantics
          in order to construct a legal ontology of events. This work includes an
          exemplification of the analysis to be performed for the construction of
          ontology, presenting a ontology formalization proposal.

          Resumo. Este artigo apresenta um estudo preliminar sobre a descrição
          semântica dos verbos do domínio jurídico brasileiro. Trata-se de um estudo
          acerca da semântica verbal com vistas à construção de uma ontologia dos
          eventos jurídicos. Este trabalho compreende uma exemplificação da análise a
          ser realizada para a construção da ontologia, apresentando uma proposta de
          formalização da ontologia.

1. Considerações iniciais
Na área jurídica há um grande volume de documentos e informações relevantes
armazenadas em diferentes bases de dados. Os documentos gerados por um processo
jurídico podem servir de base para a produção de novos documentos, por esta razão a
área jurídica necessita de ferramentas capazes de permitir a rápida recuperação da
informação, possibilitando uma forma de apoio aos usuários na composição de novos
documentos baseados na ampla base de dados constituída por sentenças, acórdãos, leis,
etc.
         Os sistemas de recuperação da informação são alvo de pesquisas cujo propósito
está em tornar o conteúdo mais acessível. É este também o escopo do projeto
Tecnologias Semânticas e Sistemas de Recuperação de Informação Jurídica1, no
qual esta pesquisa se insere. O grupo envolvido com este projeto tem como propósito
“desenvolver e implementar um modelo semântico-conceitual do domínio jurídico
brasileiro, de modo a ser integrado a sistemas de busca e recuperação de informação em
sites que armazenam documentação jurídica.”2

       Uma ontologia do domínio jurídico possibilitará a ampliação da extração do
conhecimento, permitindo o compartilhamento de informações relevantes aos usuários,
sejam eles leigos ou especialistas. Através das ontologias as ferramentas de mineração de

1
    Projeto aprovado no Edital CAPES/CNJ Acadêmico 2010.
2
    Objetivo retirado do texto do próprio projeto [Chishman 2010]



                                                   248
dados podem ser aperfeiçoadas, permitindo maior exatidão no gerenciamento do
conhecimento.

        Para a construção da ontologia proposta, o grupo tomou como base as categorias
recomendadas por Minghelli (2011), quais sejam: eventos legais, instituições legais,
documentos legais e participantes legais. As diferentes categorias propostas serão
estudadas separadamente em pesquisas em nível de mestrado e doutorado, a fim de
compor uma única ontologia capaz de descrever semanticamente o domínio jurídico e
possibilitar a recuperação da informação.

       Neste artigo apresentamos reflexões preliminares acerca do domínio dos eventos
legais visando à representação desta categoria na ontologia do direito brasileiro. Este
estudo compreende a primeira etapa de análise semântica dos verbos jurídicos com vistas
à construção da ontologia e faz parte de uma pesquisa ampla que comporá a tese de
doutorado. Como se poderá constatar na próxima seção, a descrição que propomos para
os eventos do domínio jurídico baseia-se em abordagens teóricas de cunho linguístico,
amparando-se principalmente na Semântica Lexical e na Semântica de Frames.

2. A Semântica Verbal: abordagem teórica para a construção da ontologia
Consideramos que a semântica verbal pode ser analisada em três níveis: (a) aspectos
lógico-semânticos, (b) aspectos gramaticais e (c) aspectos contextuais. Em relação aos
aspectos lógico-semânticos avaliamos as relações lexicais de identidade e inclusão e as
relações de exclusão e oposição – as relações paradigmáticas. Recorremos à Semântica
de Frames e ao arcabouço da FrameNet [Fillmore et al. 2001] para abordar os eventos
legais sob um viés contextual, considerando também as questões gramaticais
relacionadas a situação e aos papéis temáticos – as relações sintagmáticas.

        As relações paradigmáticas são associadas por Cruse (2000) com a coerência
entre as classes, estando ligadas à identidade, inclusão, sobreposição e disjunção. As
relações mais conhecidas no domínio lexical como sendo do eixo paradigmático são a
hiponímia/hiperonímia3, a meronímia/holonímia e a sinonímia/antonímia. Tais relações
são fundamentais para a estruturação taxonômica da ontologia, sendo consideradas
estruturantes para a organização das classes e subclasses.

        Em trabalhos anteriores constatou-se que os aspectos lógico-semânticos não são
suficientes para a descrição das entidades verbais, uma vez que estas ocorrem em um
contexto e concorrem com outras entidades que complementam e/ou modificam seu
significado [Müller 2011]. Assim, para tratar da semântica verbal há necessidade de
adentrar no campo sintático-semântico e atentar para questões gramaticais e contextuais
referentes ao significado.



3
  Miller e Fellbaum (1991) acreditam que as características que diferenciam dois verbos superordenados
são diferentes das que diferenciam dois nomes; por esta razão denominam esta relação entre verbos de
troponímia. No entanto, outros autores, como Cruse (2000) e Vossen (1997), não fazem tal distinção,
apesar de considerarem as diferenças existentes entre uma taxonomia verbal e uma nominal, e mantêm a
mesma nomenclatura.



                                                249
        Consideramos que os aspectos contextuais da semântica verbal são melhor
descritos se considerada a abordagem teórica da Semântica de Frames, uma vez que os
aspectos gramaticais e os papéis temáticos estão representados na estrutura dos frames4.
A Semântica de Frames tem origem nos estudos de Fillmore (1982) e leva em conta
fatores culturais e situacionais para descrever a estrutura cognitiva de um evento, ou
seja, considera o chamado conhecimento enciclopédico, avaliando como o conhecimento
geral do falante reflete na forma como ele interpreta o mundo e como compreende o
significado das palavras.

        Para Fillmore (1982), frame semântico é uma representação em forma de
esquema de uma situação que envolve vários participantes, diversas propriedades e
outros papéis conceituais onde cada uma das noções representa um elemento de frame,
este, por sua vez, corresponde a uma categoria da FrameNet 5 (versão computacional a
partir da Semântica de Frames). Assim, podemos concluir que cada argumento
semântico relacionado a uma palavra corresponde a um elemento de frame do frame
semântico ao qual a palavra está associada [Fillmore, Wooters e Baker 2001; Johnson e
Fillmore 2000; Petruck 1996].

        Na FrameNet um frame descreve uma situação típica de uma determinada língua,
levando em consideração os aspectos culturais a ela relacionados e incluindo os
participantes e suas condições. Cada frame, como uma categoria cognitiva, manifesta-se
na língua por meio de palavras que o introduzem, isto é, evocam o frame, normalmente
verbos.

        Neste trabalho tomamos como fonte teórica a Semântica Lexical para tratar das
relações taxonômicas que envolvem a estruturação da ontologia e a Semântica de
Frames para tratar da descrição dos eventos jurídicos. Consideramos esta uma
abordagem profícua para a organização da ontologia e apresentamos uma ilustração para
a descrição do evento julgamento na seção seguinte.

3. Verbos do domínio jurídico: uma ilustração
Apresentamos uma ilustração preliminar de análise semântica relacionada aos verbos
jurídicos e sustentada pelas abordagens teóricas discutidas anteriormente, com vistas a
comprovar o potencial descritivo destas abordagens para a referida ontologia.

       Nesta ilustração tomamos como exemplo o verbo JULGAR, escolhido por ser
representativo do domínio jurídico. Realizamos uma busca no portal LexML6 e
encontramos 45550 ocorrências para o verbo julgar nas ementas das jurisprudências.
Para a análise semântica do verbo julgar avaliamos os dez primeiros documentos


4
  Faz-se importante elucidar que o conceito de frame neste escopo difere do conceito difundido na área
da Computação. Na área da Computação termo frame também é utilizado para referir-se à forma como
dados se estruturam de modo a representar uma determinada situação, ou seja, compreendem um
conjunto de informações sobre uma situação, que pode ser organizada através de propriedades (slots) que
caracterizam cada circunstância [MINSKY 1974].
5
  Léxico computacional disponível em < https://framenet.icsi.berkeley.edu/fndrupal/>
6
  Portal especializado em informação jurídica e legislativa.



                                                 250
encontrados em nossa busca. Seguimos nossos pressupostos teóricos para identificar as
relações paradigmáticas que envolvem este verbo e realizamos uma busca na FrameNet a
fim de identificar os frames relacionados a esse verbo.

        Após a análise semântica do verbo julgar, passamos à representação das classes e
seus relacionamentos no editor de ontologias Protégé. Criamos a classe Eventos para
acomodar os eventos jurídicos e a classe Verbos para inclusão dos verbos encontrados
em nossa análise. Para a inclusão dos relacionamentos de sinonímia, hiperonímia,
hiponímia, meronímia, criamos propriedades de objetos e relacionamos às respectivas
classes (figura 1).

        Conforme nossa análise julgar é sinônimo de considerar, avaliar e fazer juízo.
Representamos a relação de sinonímia declarando um relacionamento de equivalência
entre as classes, conforme pode ser visto no quadro pontilhado da figura 1.

        Para as demais relações (hiponímia/hiperonímia e meronímia) criamos
propriedades de objetos e estabelecemos os relacionamentos entre as classes que
representam os diferentes verbos. Criamos a propriedade de objeto éHipônimo para
declarar que julgar é hipônimo de absolver, condenar, culpar, inocentar e sentenciar.
Para representar que julgar é parte de um processo, criamos a propriedade de objeto
éMerônimoDe, conforme pode ser visualizado na figura 1. A propriedade de objeto
éHiperônimoDe também foi criada para representar que os verbos declarar e
expressar são hiperônimos de julgar. Criamos a propriedade evocaEvento para
relacionar o verbo julgar ao evento Julgamento.




     Figura 1: Representação das relações paradigmáticas. Fonte: elaborada pela
     autora



      A representação das relações contextuais partiu dos frames existentes na
FrameNet7. Encontramos o frame Judgment como representativo para o evento

7
 Salientamos que neste trabalho, a fim de ilustração, tomamos como apoio a FrameNet do inglês, porém
estabelecemos as bases para os relacionamentos entre os verbos e os eventos jurídicos explicitados na
JurFrameNetBr [Bertoldi 2011] que vem sendo desenvolvida em trabalho de pós-doutorado.



                                                251
Julgamento. Para inclusão dos elementos nucleares8 do frame criamos novas classes e
subclasses: a classe Frame tem como subclasse FrameJulgamento e a classe
ElementosFrame que tem como subclasses Avaliador, Resultado, Avaliado,
Expressão e Razões. Para relacionar o evento Julgamento ao FrameJulgamento
criamos a propriedade evocaFrame. Dessa forma determinamos que a classe Julgar
evoca o evento Julgamento que está relacionado ao FrameJulgamento. No
FrameJulgamento criamos uma propriedade para determinar que ele necessita ter todos
os elementos de frame, isso foi estabelecido através da regra: temElementosFrame
(figura 2).




     Figura 2: Representação das relações com frames. Fonte: elaborada pela
     autora
        Através da estrutura de classes e das regras criadas estabelecemos a hierarquia da
ontologia e uma forma de relacionamento com os frames, permitindo uma melhor
descrição do verbo julgar no domínio jurídico.

4. Considerações finais
Nosso propósito neste artigo foi apresentar a fase inicial dos estudos para a construção
de uma ontologia dos eventos jurídicos. Consideramos que a classe dos verbos
compreende uma parte significativa para o estudo dos eventos jurídicos, fato este que
nos leva buscar subsídios nas teorias semânticas que abarcam o significado verbal.
        Buscamos referenciais que abarcassem três diferentes aspectos da semântica
verbal: os lógico-semânticos, os gramaticais e os contextuais a fim da contemplar a
amplitude do significado verbal e melhor descrever a amplitude da categoria eventos
jurídicos.
        Este ensaio nos mostra a Semântica de Frames como uma abordagem profícua
para o estabelecimento de relações entre conceitos nas ontologias, permitindo um melhor
detalhamento dos papéis de cada parte envolvida nos eventos jurídicos. Além de
descrever os eventos, as classes correspondentes aos elementos de frames permitirão a
ligação com as categorias participantes legais, documentos legais e instituições legais,
formando a ontologia completa do direito brasileiro.



8
  Elementos de frame nucleares são aqueles que representam conceitos necessários para caracterizar um
frame e manifestam-se na estrutura argumental evocada pelo predicador. Noção ligada à concepção de
papéis semânticos que ocupam posições argumentais – elementos nucleares: papéis participantes e
elementos não nucleares: papéis não-participantes.



                                                252
       Em nossas análises preliminares percebemos que o estudo dos eventos jurídicos
também envolverá os nominais eventivos aos quais os verbos estarão relacionados, tais
como julgamento, absolvição, petição, etc. Julgamos oportuno balizar que na descrição
dos nominais eventivos também tomaremos como base teórica a Semântica de Frames,
sendo que os frames para cada evento específico serão propostos e descritos.
         A pesquisa de doutorado prevê, em suas etapas metodológicas, uma etapa
linguística e uma etapa computacional, na qual as informações semânticas coletadas na
análise serão inseridas no editor de ontologias Protégé, de modo a constituir a ontologia
dos eventos do domínio jurídico brasileiro.

Referências
Cruse, D.A. (2000) “Meaning in Language: an Introduction to Semantics and
Pragmatics”. New York: Oxford University Press.

Bertoldi, A. (2011) “Semântica de Frames e recursos lexicais jurídicos: um estudo
contrastivo”. Tese de doutorado. São Leopoldo. UNISINOS.

Fillmore, Charles J. (1982) “Frame Semantics”. In: The Linguistic Society of Korea,
Linguistic in the Morning Calm, Seoul, Hanshin Publishing Co.

Fillmore, C., Wooters e Baker. (2001) “Building a Large Lexical Databank Which
Provides Deep Semantics”, In: Proceedings of the Pacific Asian Conference on
Language, information and computation (PAVLIC 15), Hong Kong, 1-2.

Johnson, C., Fillmore, C. (2000) “The FrameNet tagset for frame-semantic and syntactic
coding of predicate-argument structure”, In: NAACL 2000 Proceedings of the 1st North
American chapter of the Association for Computational Linguistics conference, Pages
56-62.

Miller, G. A. e Fellbaum, C. (1991) “Semantic Networks of English”. In: Levin e S.
Pinker (eds), Lexical and Conceptual Semantics. Cambridge, MA: Blackwell, p. 197-
229.

Minghelli, T. D. (2011) “A relação de meronímia em uma ontologia jurídica”,
Dissertação de Mestrado, São Leopoldo, UNISINOS.

Minsky, M. A. (1974) “A Framework for Representing Knowledge”. Artificial
Intelligence Memo 306, MIT AI Lab.

Müller. (2011) “M_ONTO: Proposta de Modelagem Semântica para uma ontologia do
domínio EAD”. Dissertação de Mestrado. São Leopoldo. UNISINOS.

Petruck, M.R.L. (1996) “Frame semantics”. In J. Verschueren, J. Ostman, J.
Blommaert, and C. Bulcaen, editors, Handbook of Pragmatics. John Benjamins,
Philadelphia.




                                          253