Ensino de IHC na Computação: Reflexões sobre 14 Anos de Experiência Clarisse Sieckenius de Souza Departamento de Informática, PUC-Rio Rua Marquês de São Vicente, 225 – Gávea 22451-900 Rio de Janeiro, RJ - Brasil clarisse@inf.puc-rio.br ABSTRACT comunicar e disponibilizar todos os avanços que a The purpose of this presentation is to share with the Computação tem alcançado em outras áreas, desde as mais interested audience some reflections after 14 years of próximas da microeletrônica até as mais próximas das áreas teaching HCI in undergraduate programs in Computer aplicadas. IHC é a área que deve contar para os usuários Engineering, Information Systems and Computer Science at como é importante, útil e surpreendente tudo aquilo que a the Department of Informatics of the Pontifical Catholic Computação permite fazer. Se ela não contar, nenhum University of Rio de Janeiro. In particular, I will discuss the usuário entende e a Computação não realiza o seu potencial. positioning of HCI in Informatics and the challenges of teaching it in such context. As an interdisciplinary area it Algumas reflexões após 14 anos de ensino de IHC em must be learned, taught, researched and applied keeping in cursos de graduação e pós-graduação no Departamento de mind not only this positioning but also its relations with Informática da PUC-Rio não trazem nenhuma resposta para various other disciplines such as Ergonomics and Design, as difíceis questões que temos de enfrentar. No entanto, elas Psychology, Social Communication and many others. podem contribuir para dar nome a algumas das facetas e dimensões do problema. A seguir elaboro rapidamente RESUMO alguns desafios recorrentes para professores de IHC e traço O objetivo desta apresentação é compartilhar com os brevemente um resumo da minha trajetória pessoal, interessados reflexões sobre 14 anos de ensino de IHC em compartilhando conclusões que tirei dela até aqui. cursos de Graduação de Engenharia de Computação, Sistemas de Informação e Ciência da Computação no DESAFIOS DE ENSINO DE GRADUAÇÃO Departamento de Informática da PUC-Rio. Em particular, Em muitos contextos de ensino universitário de graduação discuto a posição de IHC na Computação e os desafios de voltados para o setor de Informática no Brasil, alguns ensiná-la neste contexto. Como área interdisciplinar ela fatores recorrentes dificultam a formação de recursos deve ser aprendida, ensinada, pesquisada e aplicada a partir humanos capazes de garantir que IHC cumpra seu papel de não somente deste posicionamento, mas de suas relações elo entre o conhecimento técnico-científico e a sociedade. com várias outras disciplinas tais como a Ergonomia e Destaco os seguintes: Design, a Psicologia, a Comunicação Social e muitas a) A formação básica do professor; outras. b) A dificuldade de se fazer um recorte Palavras-Chave representativo e coeso dentro de um espaço Educação em IHC; Interdisciplinaridade interdisciplinar extenso e variado; ACM Classification Keywords c) A elaboração de uma estratégia de ensino que H.5.0 General possa dosar adequadamente o ensino de fundamentos e a prática com tecnologias INTRODUÇÃO interativas atuais; e Interação Humano-Computador (IHC) é uma área de d) A oferta consistente de disciplinas de nível conhecimento interdisciplinar [2] e por isto difícil de intermediário (além do introdutório) em currículos aprender, investigar, aplicar consistentemente e ensinar. de graduação para atender aos interesses e talentos Adicionalmente, no contexto brasileiro, são muito recentes de alunos que queiram especializar-se em IHC ou os programas de formação de mestres e doutores seguir um programa de pós-graduação e pesquisa. especializados neste assunto. Na Computação, as primeiras dissertações e teses em IHC foram defendidas há pouco A formação básica de professores de IHC em cursos de mais de 15 anos. Contudo, no Brasil, como em qualquer Informática no Brasil costuma ser na área tecnológica outro lugar, a verdadeira revolução social que resulta de (Engenharias, Computação e afins). São raros aqueles com avanços nas Tecnologias de Informação e Comunicação só pós-graduação na área. Resulta disto que estes professores é possível porque a área de IHC encontrou formas de costumam não ter familiaridade com conceitos e métodos Copyright © by the paper's authors. Copying permitted only for private and academic purposes. In: Proceedings of the III Workshop sobre Ensino de IHC (WEIHC'12), Cuiabá, Brazil, 2012 published at http://ceur-ws.org. 1 das Ciências Humanas e Sociais. Por isto, ensinar sobre o Esta experiência, que alavancou e foi alavancada pelo lado “H” da disciplina torna-se um desafio considerável desenvolvimento da Engenharia Semiótica [1] como teoria, para uma maioria profissionalmente treinada para trabalhar fez-me mudar de estratégia em duas direções: primeiro, com o lado “C”. ensinar avaliação de interação como tema central (e design de interação como desdobramento); e, segundo, ensinar os Como qualquer área interdisciplinar, IHC estende-se sobre fundamentos de Engenharia Semiótica, mostrando que um território muito amplo e diversificado, não raramente produtores e consumidores de sistemas interativos são os carente de abordagens ou teorias capazes de conduzir um dois legítimos H’s de IHC. Mostrei aos alunos que eles aprendiz ou pesquisador com segurança enquanto ele cruza estão direta e pessoalmente envolvidos no processo de pontes disciplinares no interior deste território. interação humano-computador que contribuem para Consequentemente a visão que se tem de IHC é quase construir. Passei a enfatizar a complexidade do processo, sempre retalhada e incoesa, o que obscurece tanto os com especial atenção para os aspectos éticos (a conflitos quanto os hiatos entre abordagens distintas. No responsabilidade pelo efeito que o software produz na entanto, em um processo de ensino/aprendizado, uma clara sociedade), o que começou a criar um elo ‘afetivo’ entre os visão da relação entre as partes de um todo é fundamental alunos e os usuários. Conscientes da complexidade de sua para o sucesso do processo. tarefa e de suas consequências sobre os outros, os alunos Tanto a formação mais comumente tecnológica dos passaram a ‘pensar’ em IHC com muito mais facilidade. professores como o glamour que as tecnologias mais Concomitantemente, a disciplina passou a ser oferecida no avançadas exercem sobre os estudantes favorecem primeiro ano de curso dos alunos. programas de curso “hands-on”. Neles, os alunos não O custo desta opção foi reduzir e focar a matéria tratada. raramente mergulham na construção de interfaces bem Para compensar esta redução, tenho tentado ensinar aos antes de entender o que constitui uma boa lógica de alunos o que somente eles – por serem futuros profissionais interação e por quê. Acresça-se que a velocidade da de Informática – podem (e portanto devem) fazer bem, evolução das plataformas tecnológicas é tal que por vezes combatendo outro preconceito: o de que “IHC não é parte aquela que se usava quando um aluno entra para a legítima da Computação.” Somente eles podem criar um faculdade já está obsoleta na hora que ele se forma. programa para representar alguém em um processo de Portanto, são os fundamentos de IHC que formarão o comunicação entre “H’s” através de “C” e, sobretudo se conhecimento de longo prazo com que os futuros constroem a sua própria auto representação, entender e profissionais poderão contar para construir bons produtos explorar os limites que a Computação impõe. Penso que computacionais. uma boa base em Engenharia Semiótica oferece conceitos e Finalmente, embora os cursos de graduação no país já técnicas para os alunos trabalharem e aprenderem com possam, em vários casos, contar com uma disciplina colegas de outras profissões. Assim, em cursos introdutória de IHC, isto é insuficiente para formar um introdutórios, tenho hoje só uma lição importante a ensinar: profissional. Mais disciplinas são necessárias e quanto mais a de que a interação dos usuários, através da interface, é de avançadas maiores os desafios interdisciplinares para fato com estas personas computacionais, criadas à imagem professores e para o próprio programa, em um contexto de nossas crenças e conhecimentos sobre quem eles são, o onde o Ministério da Educação não parece estar equipado que desejam ou precisam fazer, como, quando, onde e por para promover e avaliar programas interdisciplinares. quê. Daí nossa imensa responsabilidade social e papel na Computação. Disciplinas optativas, oferecidas ao longo do LIÇÕES APRENDIDAS COMO PROFESSORA DE IHC curso de graduação, bem como estágios de iniciação Minha prática de ensino de IHC começou em 1998, no científica no laboratório do SERG (Semiotic Engineering Departamento de Informática da PUC-Rio, no curso de Research Group), dão aos interessados oportunidade de Engenharia da Computação. Tratava-se de uma única aprofundar este conhecimento básico. disciplina introdutória, optativa, oferecida para alunos dos dois últimos anos do programa. O foco era ensinar design AGRADECIMENTOS de interação e, ao final de um semestre, os alunos deviam A autora agradece ao CNPq e à FAPERJ por apoiarem construir um protótipo de sistema interativo. A matéria parcialmente sua pesquisa com recursos de Bolsa de girava em torno do Design Centrado nos Usuário. Os Produtividade em Pesquisa e Bolsa Cientista do Nosso projetos tinham inevitavelmente muitas lacunas, pois em Estado, respectivamente. um semestre não se consegue ensinar e aprender suficiente para fazer um bom projeto. O maior problema desta fase era REFERÊNCIAS eu não estar conseguindo criar uma relação de empatia e 1. de Souza, C.S. (2005) The semiotic engineering of human- colaboração dos alunos para com os usuários. Não estava computer interaction. Cambridge, Mass: The MIT Press. vencendo o preconceito vigente de que “os usuários não 2. Hewett, T.; Baecker,R.; Card, S.; Carey, T.; Gasen, J.; Mantei, entendem nada de computadores e a boa interface é aquela M.; Perlman, G.; Strong, G.; and Verplank. B. (1992-1996) que melhor os protege de sua própria ignorância”. ACM SIGCHI Curricula for Human-Computer Interaction. Online at: http://old.sigchi.org/cdg/ (Last accessed in 10/2012) 2