Interação academia-indústria: onde estamos e para onde queremos ir Paulo Melo CESAR CESAR.Edu Av. Paulista, 726, 17º Andar Rua do Apolo, 81, 4° andar São Paulo, SP Recife, PE CEP 01310-000 CEP 50030-220 paulo.melo@cesar.org.br contato@cesar.edu.br RESUMO É antiga a discussão sobre a correta distância que deve Há muito tem se discutido sobre a necessidade de uma haver entre a academia e o mercado. No entanto, a interação mais forte entre a academia e a indústria. Fala-se discussão parece não ter sinais de chegar a um fim em um também de um isolamento das universidades do restante da futuro próximo. Experiências práticas em que academia e sociedade e da pouca aplicabilidade dos esforços indústria interagem fortemente (e.g. Holanda) trazem desenvolvidos por seus pesquisadores. Por outro lado, as consigo o questionamento se esta proximidade não é corporações sentem falta de uma contribuição mais efetiva prejudicial para os fins propostos pela academia. Não seria das universidades na formação de profissionais preparados o papel da academia o de liderar a construção do para as exigências do mercado e no desenvolvimento de conhecimento científico independentemente dos fins a que projetos de pesquisa que não são desenvolvidos se propõem as instituições voltadas para os interesses de um internamente pelas indústrias. Neste breve artigo, o autor mercado consumidor? reflete sobre o assunto a partir de suas experiências na Holanda e no Brasil. Nos dois países, o autor teve a Por outro lado, em países em que o distanciamento entre oportunidade de atuar em cenários significativamente indústria e academia é grande, os questionamentos estão distintos no que diz respeito ao formato e à intensidade da relacionados a como tornar o modelo acadêmico mais interação entre a academia e o mercado. Por fim, o autor sustentável e não apenas alimentado pelo dinheiro público, mostrará como o CESAR.Edu, braço educacional do em grande parte das vezes, a fundo perdido. Neste breve CESAR, tem posto em prática um formato de ensino artigo, o autor faz uma reflexão – baseada em suas baseado em problemas reais da indústria. experiências na Holanda e Brasil – sobre dois modelos distintos no tocante ao formato como indústria e academia Author Keywords se relacionam. Educação; Interação Humano-computador; indústria; academia. MODELO HOLANDÊS A experiência do autor na Holanda se deveu ao seu ACM Classification Keywords doutorado profissional em interação usuário-sistema1 no K.3.2 Computer and Information Science Education--- departamento de design industrial da TU/e2 (Eindhoven Information systems education. University of Technology). O objetivo de um doutorado H.1.2 User/Machine Systems---Human factors. profissional é formar profissionais altamente qualificados que, em princípio, não têm a intenção de se tornarem INTRODUÇÃO pesquisadores, mas têm o plano de trabalhar na indústria Para Stephen Kanitz [1], “o segredo de toda universidade é [2]. As universidades holandesas também oferecem os gerar valor e emprego para os seus alunos [...]”. Talvez um tradicionais doutorados acadêmicos, os conhecidos PhDs. reflexo do que sugere Kanitz é o valor que a universidade No entanto, o objetivo de aluno que entra em um programa deve criar para a sociedade que a cerca. O aluno que vale de doutorado acadêmico é fundamentalmente distinto mais é aquele que oferece mais benefícios para a sociedade daquele aluno que busca um doutorado profissional. em que vive. Em outras palavras, vale mais o aluno que O doutorado profissional na Holanda oferece a seus oferece mais utilidade para o meio do qual ele faz parte. Daí candidatos o título conhecido como PDEng – Professional a competição pelos alunos mais bem preparados. Se há uma Doctorate in Engineering. O curso dura dois anos e conta concordância que a relevância da universidade está mais com aulas em período integral. O curso é dividido em duas ligada àquilo que ela oferece ao seu mundo externo do que ao que ela gera para o seu próprio benefício, então pensar a interação entre mundo acadêmico e a sociedade deveria 1 http://goo.gl/4WEf3 estar na base do estatuto de toda instituição de ensino. 2 www.tue.nl Copyright © by the paper's authors. Copying permitted only for private and academic purposes. In: Proceedings of the III Workshop sobre Ensino de IHC (WEIHC'12), Cuiabá, Brazil, 2012, published at http://ceur-ws.org. 6 partes: a primeira parte dura 14 meses e acontece nas ligados à realização de pesquisas. No mundo da instalações da TU/e; a segunda parte dura nove meses e universidade privada a situação é oposta. A pesquisa constitui um estágio em uma empresa. As disciplinas que científica é desenvolvida em apenas raras exceções e os compõem os primeiros 14 meses do curso são formatadas alunos costumam ter uma formação mais superficial, apenas em módulos de duas ou três semanas em que os alunos têm voltada para demandas mais imediatas da indústria. aulas voltadas para um projeto prático que conclui aquele módulo. Os professores são oriundos da própria TU/e, de Mudando um paradigma outras universidades do mundo, consultores e profissionais Desde 1974, quando foi fundado, o Centro de Informática 3 de empresas. (CIn) da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) tem se destacado pela sua proximidade com a indústria. No CIn, Passados os 14 meses de aulas, os alunos iniciam os seus os alunos são assediados por empresas com ofertas de estágios. Durante o estágio, o aluno tem um supervisor na empregos desde os primeiros anos do curso de graduação. universidade e um supervisor na empresa onde está Certamente não apenas por esta integração, o CIn é realizando o estágio. Durante o estágio, o aluno passa todo reconhecido internacionalmente como um centro de o tempo na empresa para se familiarizar com um ambiente excelência no ensino e pesquisa em Ciências da corporativo, mas semanalmente participa de uma reunião Computação e Engenharia da Computação. O com o restante do grupo de doutorandos na universidade. A reconhecimento público trouxe um problema para o Centro, grande maioria dos estágios ocorre nos laboratórios de em meados da década de 90, turmas inteiras de formandos Pesquisa e Desenvolvimento das empresas, onde a eram contratadas por empresas de fora do estado de exigência por um profissional que tenha um alto grau de Pernambuco. A maioria destas empresas era oriunda do qualificação é muito maior que em grande parte de outras Sudeste brasileiro, mas os alunos também recebiam empresas que não investem em pesquisa. Após os nove convites de grandes multinacionais tais como: Microsoft, meses de estágio, os doutorandos devem escrever um Google e, mais recentemente, Facebook. relatório de conclusão. O relatório e o desempenho do aluno são avaliados por uma banca formada pelos supervisores e Na tentativa de evitar o escoamento da mão-de-obra outros membros da universidade e da empresa. altamente qualificada e custosamente formada em Recife, surgiu em 1996 da iniciativa de seis professores do CIn um Há grande interesse das empresas por aquilo que está sendo instituto de inovação privado – independente da UFPE – desenvolvido pelos alunos durante os estágios. Prova disso chamado CESAR4. Em 2012, o CESAR tem é que as empresas pagam à TU/e para poder contar com o aproximadamente 600 profissionais, 70 clientes ativos, 111 doutorando. O valor pago pela empresa é o suficiente para projetos executados em 2011, uma matriz em Recife e três pagar os dois anos do doutorado, período no qual o filiais (São Paulo, Sorocaba e Curitiba) e faturou no último doutorando recebe um salário, como qualquer outro ano aproximadamente R$ 60 milhões. O surgimento do funcionário da universidade. Durante todo o doutorado, os CESAR foi motivado por uma lacuna observada entre os alunos são expostos a um ambiente multidisciplinar (os 20 mundos acadêmico e corporativo. O papel do CESAR é se alunos selecionados para o doutorado são divididos em três posicionar entre aqueles dois mundos, solucionando grupos de tamanhos semelhantes: designers e afins, problemas da sociedade por meio da inovação produzida psicólogos e afins e cientistas da computação e afins) e internamente e em universidades parceiras. multicultural (metade da turma é de origem holandesa e a outra metade é formada por estrangeiros). 10 anos após a sua fundação, o CESAR criou o CESAR.Edu5. O CESAR.Edu é o braço educacional do MODELO BRASILEIRO CESAR criado com o intuito de formar profissionais que A grande maioria das universidades do Brasil sofre com um atendam às demandas do mercado [3]. O CESAR.Edu significativo distanciamento da indústria. A separação entre transfere o know how, a cultura de inovação e a experiência academia e indústria no Brasil resulta em várias situações desenvolvida no CESAR para a sociedade através do design indesejadas, dentre elas: (a) a formação de profissionais que de novos processos educacionais na cultura digital e da estão despreparados para serem absorvidos pelo mercado de educação formal, continuada e corporativa [4 e 5]. Logo trabalho; e (b) o desenvolvimento projetos de pesquisas nas após o seu surgimento, o CESAR.Edu criou o primeiro universidades financiados apenas por dinheiro público que Mestrado Profissional no Brasil reconhecido pela CAPES e não são inspirados em problemas reais, identificados na MEC fora de uma Instituição de Ensino Superior. sociedade. De forma simplificada, é possível identificar dois mundos distintos nas universidades brasileiras: a universidade pública e a privada. Na primeira, onde a maior parte da 3 www.cin.ufpe.br pesquisa científica é conduzida, há a formação de 4 profissionais com grande capacidade, mas pouco www.cesar.org.br conectados com o mercado onde pretendem atuar e mais 5 www.cesar.edu.br 7 O lema do CESAR.Edu é “aprenda com quem faz”. Este curto ou médio prazo. No Brasil o contrário acontece. Fazer lema é posto em prática através de seu corpo docente que é pesquisa alinhada com os interesses da indústria é mal formado por mestre e doutores que trabalham no CESAR e visto. Quase um insulto aos intuitos da pesquisa científica. outros profissionais, igualmente bem qualificados, “O pesquisador não deve se vender ao mercado. Seu papel é convidados a lecionar na instituição. fazer pesquisa científica, independente”, dizem alguns. Há de se repensar o modelo brasileiro e flexibilizar certas CONCLUSÃO convicções, para enfim se buscar um modelo mais A discussão sobre a devida integração entre academia e sustentável economicamente e que ofereça mais benefícios indústria não deveria mesmo ter fim. Definir um modelo a mais pessoas. ideal para esta interação não parece ser o caminho apropriado para um assunto dinâmico e que requer AGRADECIMENTOS reflexões constantes. No entanto, parece claro que o modelo Gostaria de agradecer primeiramente a Silvia Amélia Bim e mais frequentemente observado no Brasil não é o esperado Clodis Boscarioli pelo convite para participar deste para o momento em que vivemos. Assim como é preciso se Workshop sobre Ensino de IHC durante o IHC 2012. Por questionar constantemente qual o currículo mais apropriado último, gostaria de agradecer ao CESAR e ao CESAR.Edu a ser adotado por uma instituição, é necessário refletir de por me darem a oportunidade de trabalhar e me divertir que forma queremos devolver à sociedade os alunos que nestas duas instituições tão inspiradoras. entraram na universidade com o objetivo de ser introduzidos no mercado de trabalho preparados para os REFERÊNCIAS seus desafios. 1. Kanitz, S. Atenção gestores e donos de universidades - como melhorar sua instituição. (2010). Disponível em: A metáfora que entende a academia como uma caixa preta http://goo.gl/kLe1Q que recebe os alunos e os liberta anos depois com uma formação ideal não parece descrever bem o papel da 2. Janse, M.; Markopoulos, P. & Vinken, P. 'Eindhoven's universidade. Ao invés disso, pensar a academia como um User-System-Interaction Design Program: an overview.', espaço aberto que se encontra em constante comunicação Interactions 12 (5), 2005, 33-34. com os vários setores da sociedade aos quais tem o dever de 3. CESAR. O Apagão de Profissionais de TI. White paper. entregar profissionais formados parece ser uma imagem (2012). Disponível em: http://goo.gl/d7wPK mais interessante. 4. CESAR Soluções com TIC para educação profissional. O modelo holandês apresentado neste artigo recebe críticas White paper. (2012). Disponível em: http://goo.gl/kjxa0 por possivelmente estar muito alinhado aos interesses da 5. CESAR Residência de Software no CESAR. White indústria. Na Holanda, o aluno de mestrado ou doutorado paper. (2012). Disponível em: http://goo.gl/MMO8Y precisa ter uma empresa patrocinando seu projeto para poder iniciar sua pesquisa. Não há muito espaço para se realizar pesquisa básica, sem uma implicação comercial 8