Proposta de ontologia de apoio a classificação de processos judiciais com o uso da metodologia Methontology Luciane Baratto Adolfo1, Aires José Rover2 1 Mestre em Engenharia e Gestão do Conhecimento pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFCS) 2 Professor da Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC. luadolfo@gmail.com, aires.rover@gmail.com Abstract. This article is a part of the master’s research that proposes the use of support ontologies on closed court proceedings classification. The study proposed this application of this tool in the archival classification activity, resulting in the development of a knowledge model proposal for classification closed court proceedings support. Resumo. Este artigo integra a pesquisa de mestrado que propõe o uso de ontologias de apoio à classificação de processos judiciais findos. O estudo propôs a aplicação da ferramenta na atividade de classificação arquivística, resultando no desenvolvimento de uma proposta de modelo de conhecimento de suporte à classificação de processos judiciais findos. 1. Introdução Concomitante ao estabelecimento e a consolidação do processo eletrônico no judiciário brasileiro permeia também a necessidade de gestão destes documentos. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) propõe orientação para o tratamento dos documentos embasado na classificação e na avaliação de documentos, para uma gestão documental fundamentada teoricamente e embasada na legislação vigente. Nesse cenário, sobressai a necessidade de emprego de conhecimento especializado em direito processual na classificação de processos judiciais findos, com vistas ao desenvolvimento de um trabalho padronizado e que resulte em organização e recuperação da informação produzida. Desta forma, propõe-se neste artigo a modelagem do conhecimento processual utilizado na classificação de processos judiciais findos, com o desenvolvimento de uma ontologia através da aplicação da metodologia Methontology. 2. Estruturação do conhecimento através de ontologias A Inteligência Artificial e a Engenharia do Conhecimento descrevem ontologia como uma especificação explícita de uma conceitualização [Gruber, T. R., 1995]. Pode-se dizer também que ontologia é um artefato concreto de engenharia, modelo de um domínio de conhecimento expresso em uma linguagem de representação [Guizzardi, G. et al., 2009] que visa capturar conhecimento consensual de forma genérica e formal para o reuso e o compartilhamento entre aplicativos (software) ou grupos de pessoas [Guizzardi, G., 2000; Corcho et al., 2003]. Copyright © 2019 for this paper by its authors. Use permitted under Creative Commons License Attribution 4.0 International (CC BY 4.0). A Engenharia de Ontologias apresenta algumas abordagens e metodologias para o desenvolvimento de ontologias. A Methontology é uma delas, que apresenta uma maior aproximação com o ciclo de desenvolvimento, além de demostrar ser bastante completa em relação as fases de manutenção, integração e documentação de ontologias [Silva et al., 2008; Borges, 2012]. Essa metodologia se destaca como uma metodologia madura entre as metodologias existentes, sendo indicada pela FIPA1 [Fernández-López; Gómez- Pérez, 2003]. Além dessa metodologia, utilizou-se a ferramenta Protégé para o desenvolvimento da ontologia e da base de conhecimento, já que essa é uma ferramenta livre, de código aberto, baseado em Java e apoiado por uma ampla comunidade de desenvolvedores [Protégé, 2001]. 3. Aquisição do conhecimento O estudo foi realizado através de entrevistas não-estruturadas, observação direta, análise de relatórios do procedimento de classificação e pesquisa na legislação existente. A fase de aquisição do conhecimento buscou orientações e normativas desenvolvidas pelo CNJ, a experiência da autora e da equipe de classificação do Serviço de Arquivos Judiciais do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul (TJRS), além de consultas em documentos produzidos na atividade, livros e legislação especializada. Este estudo concentrou-se em um subconjunto de termos relacionados com as ações de despejo, que permitisse a aplicação do método de modelagem para o objetivo proposto. Sendo assim, foram delimitadas três classes da Tabela Processual Unificada do CNJ, são elas: Despejo (cód.92), Despejo por falta de pagamento (Cód.93) e Despejo por falta de pagamento cumulado com cobrança (cód.94), e realizado um levantamento dos termos existentes e relacionados a estes autos para conceitualização e modelagem do modelo de domínio. 4. Modelagem do conhecimento com o uso da Methontology A metodologia Methontology contempla estágios de desenvolvimento por meio de um ciclo de vida, independente de implementação. São fases desta metodologia: gerenciamento do projeto, especificação de requisitos, modelagem conceitual, formalização, implementação, manutenção, integração, avaliação e documentação. A fase de gerenciamento é desenvolvida paralelamente durante todo o ciclo de vida de desenvolvimento (Figura 1). Seguindo as orientações da metodologia selecionada, as etapas da metodologia foram observadas seguindo cada uma das atividades técnicas previstas no modelo. 1 The Foundation for Intelligent Physical Agents Figura 1. Ciclo de vida de desenvolvimento de ontologia através da Methontology. [Corcho et al., 2005, p.03] Na Menthontology a fase de especificação de requisitos define o propósito da ontologia, o nível de formalidade, o escopo e as fontes de conhecimento. Sendo assim, a Tabela 1 foi produzida dando início às atividades técnicas propostas pela metodologia. Tabela 1. Definição do propósito da ontologia (elaborado pela autora). Documento de especificação de requisitos da Ontologia Domínio: Classificação de processos judiciais findos Data: setembro de 2012 Conceitualizado por: Luciane Baratto Adolfo Implementado por: Luciane Baratto Adolfo Propósito: Proporcionar uma ontologia como base para a classificação de processos judiciais findos. Nível de formalidade: formal Escopo: Dentre os termos relacionados às classes Despejo (cód.92), Despejo por falta de pagamento (Cód.93) e Despejo por falta de pagamento cumulado com cobrança (Cód.94), exemplo: ação de despejo, classes, assuntos e termos encontrados em processos de despejos, como: processo, parte, despejo, falta de pagamento, cobrança, inquilino, purga da mora, cobrança de aluguel, inadimplente, etc. Recursos de conhecimento: classificadores (especialistas), legislação, relatórios do sistema de gerenciamento do acervo, pesquisas na internet e processos judiciais. As tarefas da modelagem conceitual ou conceitualização compreenderam as etapas da metodologia na qual o conhecimento útil do domínio é organizado e conceituado [Silva, 2008]. A Methontology propõe 11 tarefas de conceituação conforme ilustrado na Figura 2 de acordo com o Corcho et. Al (2005). Figura 2. Tarefa de conceituação de acordo com a Methontology [adaptado de Corcho et. al, 2005, p.5] Primeiramente, foi realizado levantamento de termos utilizados na classificação de ações de despejo junto aos especialistas de domínio, as características de cada tipo de ação e os significados desses termos. Com base nas respostas dos especialistas e nas outras fontes disponíveis, foi desenvolvido um Glossário de Termos. A Figura 3 ilustra a taxonomia de conceitos desenvolvida após refinamento nos termos arrolados no Glossário de Termos. Figura 3. Taxonomia de conceitos (elaborado pela autora) Seguindo a sequência proposta, foi desenvolvido um diagrama representativo das relações binárias, que esboça as relações entre conceitos do Modelo. O diagrama constante na Figura 4 representa dois exemplos de relações binárias. Figura 4. Representação do diagrama de relações binárias (elaborado pela autora) A quarta tarefa da Modelagem propõe a construção de um Dicionário de conceitos com a descrição de cada conceito, suas relações com o domínio, as instâncias de conceitos e atributos de classe. Foram levantados quinze conceitos iniciais, listadas instâncias, atributos das classes, atributos das instâncias e relações entre os conceitos elencados. Após descrito o dicionário de conceitos, detalham-se as relações binárias, os atributos de instâncias, atributos de classes e constantes. A sequência lógica dessas atividades estão previstas nas tarefas 5, 6, 7 e 8 da Figura 1 e dão forma aos componentes da ontologia. Apesar de propor uma ordem para tal desenvolvimento, esta não precisa ser sequencial, se novo vocabulário é incluído qualquer tarefa anterior pode ser retomada. Em paralelo a descrição dos conceitos, taxonomias, relações, atributos e constantes, a Methontology indica a definição dos axiomas e regras formais do domínio e instâncias, nas tarefas 9. 10 e 11. Todas essas tarefas exigem do Engenheiro do conhecimento um aprofundamento em lógica de descrição. Desenvolvido o modelo conceitual da ontologia definem-se instâncias relevantes dos conceitos em tabela separada. Para cada instância, é definido o nome, o conceito e os valores de seus atributos, se conhecido. A descrição das instâncias encerra as etapas propostas de conceituação da ontologia e parte-se para a formalização, a implementação e manutenção. Neste estudo utilizou-se o editor Protégé para a formalização em linguagem OWL que possibilita também uma visualização gráfica da ontologia. 5. Integração e implementação A integração pressupõe a reutilização de conceitos pré-existentes em outras modelagens conceituais. Há época da realização desta pesquisa não foram localizados modelos conceituais passíveis de aproveitamento para a ontologia proposta nos três repositórios de ontologias verificados, são eles: DAML (http://www.daml.org/ontologies/), Repositório de vocabulários e ontologias do Governo Eletrônico (http://vocab.e.gov.br/) e website oficial do Protégé (http://protege.cim3.net/cgi- bin/wiki.pl?ProjectsThatUseProtege). A escolha da ferramenta Protégé trouxe diferentes benefícios, sobretudo na fase de implementação, dado que se trata de uma ferramenta com uma interface gráfica acessível ao usuário e que utiliza plug-ins conforme as necessidades de desenvolvimento. A arquitetura expansível proporcionada pelo uso dos plug-ins enseja a integração com um grande número de aplicações, outras ferramentas, bases de conhecimento e formatos de armazenagem. 6. Avaliação e Documentação Avaliação significa a realização de um exame técnico da ontologia, seu ambiente de software e documentação em relação a especificação de requisitos, durante cada fase e entre as fases do seu ciclo de vida. Guarino e Welt (2009) demonstram em seu estudo aspectos importantes de análise das propriedades, classes e relações que compõem uma ontologia, ao passo que justificam o quanto essa análise auxilia na validação das escolhas feitas durante o desenvolvimento e também para a limpeza da ontologia. Em cada etapa do processo de desenvolvimento da ontologia a metodologia Methontology pressupõe-se a produção de documentação das atividades. Essa é uma característica do ciclo de desenvolvimento da Methontology, que cada etapa compreende um registro específico, com destaque para a fase de aquisição do conhecimento, conforme foi sendo apresentado nesse estudo. Em estudos mais recentes, vê-se destacada a documentação como valiosa para o entendimento da ontologia e também para a compreensão das decisões tomadas durante seu desenvolvimento [Farinelli e Elkin, 2017]. Entende-se que acolhida a proposição do presente estudo seja inicialmente optado por uma metodologia de análise e avaliação, assim como de registro e provisão da documentação desde a aquisição do conhecimento, resgatando as escolhas propostas. Em razão do não encerramento dessa ontologia, a fase de avaliação restou preterida nessa pesquisa. 7. Considerações finais Sendo o escopo deste estudo o desenvolvimento de uma proposta de ontologia para a classificação de processos judiciais com o enfoque limitado às ações de despejo, chegou- se a uma proposta com 19 conceitos, 12 instâncias, 9 relações, e 3 axiomas. Embora a proposição não tenha se alongado no tempo, a pesquisa demonstrou que são frequentes e necessárias manutenções durante o ciclo de vida de desenvolvimento da ontologia, pois todas as etapas podem requisitar retomadas a qualquer tempo, com a inclusão de novos conceitos e suas definições. Embora a proposição de uso da ontologia em sistemas de conhecimento de classificação em meio digital seja mais oportuna, a modelagem foi proposta e desenvolvida através da aquisição de informações na expertise da equipe que atuava na classificação de processos físicos. Sendo assim, não se poderia descartar seu uso em sistemas para o tratamento documental de processos físicos, considerando que são geridos e tem a tramitação processual informatizada. Finalmente, observou-se que instrumentos de estruturação e organização da informação, tais como as Tabelas Processuais Unificadas utilizadas nessa pesquisa, podem ser fonte farta e valiosa de informação tanto na etapa de aquisição do conhecimento quanto na modelagem do conhecimento. Neste trabalho recorreu-se as classificações e tabelas pré-existentes para o desenvolvimento da taxonomia, das regras, de constantes, relações binárias, entre outras etapas. Referências Corcho O., Fernández-López M., Gómez-Pérez A., López-Cima A. (2005) Building Legal Ontologies with METHONTOLOGY and WebODE. In: Benjamins V.R., Casanovas P., Breuker J., Gangemi A. (eds) Law and the Semantic Web. Lecture Notes in Computer Science, vol 3369. Springer, Berlin, Heidelberg Corcho, O., Fernández-López, M. and Gómez-Pérez, A. (jul 2003). Methodologies, tools and languages for building ontologies. Where is their meeting point? Data & Knowledge Engineering, v. 46, n. 1, p. 41–64. Farinelli, F. and Elkin, P. L. (2017). Construção de Ontologia na prática: um estudo de caso aplicado ao domínio obstétrico. Ciência da Informação, v. 46, p. 123–141. Gruber, T. (1993). A translation approach to portable ontology specifications. Knowledge acquisition, n. April. Gruber, T. R. (1995). Toward principles for the design of ontologies used for knowledge sharing. International journal of human computer studies, Guarino, N. and Welty, C. A. (2009). An Overview of OntoClean. Handbook on Ontologies. p. 201–220. Guizzardi, G. (2000). Desenvolvimento para e com reuso : um estudo de caso no domínio de vídeo sob demanda. Universidade Federal do Espírito Santo. Guizzardi, G., Paulo, J. A. A., Guizzardi, R. S. S. and Falbo, R. (2009). Ontologias de Fundamentação e Modelagem Conceitual. II Seminário de Pesquisa em Ontologia no Brasil, Horridge, M., Knublauch, H., Rector, A., et al. (2011). A Practical Guide To Building OWL Ontologies Using Protégé 4 CO-ODE Tools. Protégé (2001). The Protégé Ontology Editor and Knowledge Acquisition System. http://protege.stanford.edu/, [accessed on Oct 12]. Silva, D. L. Da, Souza, R. R. and Almeida, M. B. (2008). Comparação de metodologias para construção de ontologias e vocabulários controlados. Seminário de Pesquisa em Ontologia no Brasil, [accessed on mai 19].